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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A Bússola e o Norte

Ela sempre sabia das coisas. Nunca entendeu muito bem como, mas no fundo ela sabia. Levava dentro de si uma Bússola antiga, muito mais antiga do que ela mesma. E muitas vezes, em vários momentos de sua vida, quando a Bússola parecia ter quebrado de vez, lá estava o Norte, fitando-lhe do horizonte, tal como um farol alumbra o mar impedindo que os barcos saiam de sua rota.

Sempre existiu uma diferença muito grande entre o que as pessoas viam nela e o que ela levava dentro. A Bússola nunca esteve quebrada, mas por alguma razão que ela desconhecia, sempre a fazia trilhar os caminhos mais tortuosos. Ela sabia que tinha razão, que existia uma razão, ainda que todos tivessem duvidado dela em algum momento. Essa dúvida a deixava triste, mas ao mesmo tempo feliz, porque refletia toda a vontade e toda a coragem de trilhar o seu próprio caminho. E ela estava só.

Um dia o Norte se perdeu. E a Bússola... Bem, a Bússola se desgovernou. O horizonte agora era breu e ela não sabia mais para onde ir. Vagou por muito tempo na escuridão, tentando recuperar a chama de algo que um dia tinha estado ali. Mas só havia frio, e ausência de luz... Ela tinha a sensação de que não era mais capaz de perceber o caminho, de reconhecer a trilha pelo tato. Todo o sentimento que existia a levava de um lado para o outro em uma busca quase desesperada do que um dia foi a sua própria vida. E ela se agarrava aos sentimentos extremos que iam surgindo, junto com os altos e baixos que lhe proporcionavam euforia e desespero. E uma terrível dor de cabeça.

No momento em que ela decidiu se recolher, se afastar de tudo e se fechar, um último alento brotou do fundo de seu ser e ela se aferrou ao que realmente acreditava, ainda que mais uma vez todos à sua volta dissessem o contrário, que ela estava equivocada. Não havia força no Céu ou na Terra que pudesse fazê-la desistir dessa vez, porque ela simplesmente sabia. E o seu saber foi comprovado, e mais uma vez ela ficou para trás. Veio a aceitação, veio o luto, veio a dor. Muita dor.

Quando ela estava descrente e cansada, sangrando por todos os poros, algo inusitado aconteceu. Acreditem ou não, o Amor bateu à sua porta. Na verdade, a porta estava entreaberta porque nunca é possível fechá-la totalmente. E ele foi entrando sem pedir, se instalando na imensidão que era o seu ser, tomando conta de tudo o que ela conhecia. E foi a coisa mais extraordinária que aconteceu com ela jamais! De uma hora para outra ela estava plena, repleta, transbordando! Ela começou a brilhar de uma maneira que ofuscava quem olhava para ela. Era tanta luz, tanto sentimento, que sua simples presença era capaz de contagiar a todos que entravam em contato com ela. Seu sorriso nunca tinha sido tão aberto, suas palavras tão doces e seus gestos tão encantadores. Ela se sentia outra pessoa e as outras pessoas eram capazes de notar isso. Ela nunca tinha sido tão ela mesma!

E então ela percebeu...
... que o Norte não se perde. É algo externo sim, mas foi colocado ali por ela mesma. Foi colocado ali para que ela não perdesse o rumo, mas que não era o mais importante.

Ela percebeu...
... que a Bússola era o mais importante. Era a Bússola que sempre apontava o caminho mesmo quando ela parecia desgovernada aos olhos alheios. Ninguém tinha nada a ver com isso e ela não precisava explicar nada a ninguém. Bastava seguir o caminho apontado, mesmo quando ali na frente só havia desertos e penhascos. Ela sabia que os campos floridos e as praias de areia branca seriam alcançados algum dia. Ela só precisava confiar. E seguir a sua própria Bússola.

Então ela entendeu que a Bússola era o seu Coração.